quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Radioterapia de Cabeça e Pescoço X Osteorradionecrose

Segundo dados da OMS, 2/3 dos pacientes com câncer serão submetidos à radioterapia (Rxt) para o tratamento de sua doença. A Rxt é amplamente empregada no tratamento dos tumores malignos de cabeça e pescoço, seja como terapia primária, adjuvante à cirurgia ou de forma paliativa, para controle ou redução de tumores avançados ou irressecáveis. Mesmo apresentando altos índices de cura, os efeitos secundários do tratamento radioterápico permanecem um desafio para os profissionais envolvidos no manejo dos pacientes irradiados. Nas últimas décadas, a radioterapia avançou significativamente com o desenvolvimento de novos aparelhos capazes de reduzir a amplitude da área irradiada. Estes avanços refletiram na sobrevida dos pacientes em tratamento para os tumores malignos de cabeça e pescoço, contudo, não eliminaram a possibilidade de sequelas.

As complicações decorrentes da Rxt de cabeça e pescoço são variáveis, pois dependem da área e região irradiadas, da quantidade de radiação absorvida e da resposta individual de cada paciente. Os possíveis efeitos adversos incluem mucosite, xerostomia, alteração do paladar, trismo, cáries, desceratinização da mucosa, redução da microvascularização, fibrose muscular, doença periodontal progressiva, necrose de tecidos moles e osteorradionecrose (ORN). Dentre todas essas complicações, a ORN pode ser considerada a mais severa.

Vários estudos demonstram uma influência negativa da radiação no processo de reparo tecidual, sendo que os tecidos irradiados apresentam alterações estruturais e funcionais lentas, dose-dependentes e progressivas, aumentando o risco do desenvolvimento da ORN com o passar do tempo.

Os principais fatores desencadeantes da ORN são os traumas por próteses, exodontias pouco antes e depois do tratamento radioterápico, patologias de origem dentária, biópsias que incluam tecido ósseo e a realização de cirurgias de resgate.

A patogênese da ORN é definida como uma seqüência de radiação, formação de tecido hipocelular, hipovascular e hipóxico, com consequente rompimento da barreira protetora da mucosa da boca, que pode ter sido desencadeada de forma espontânea ou traumática, resultando num processo de não-cicatrização.

Clinicamente, a ORN caracteriza-se pela perda da mucosa de revestimento e exposição de osso necrótico por um período maior que três meses. A ORN manifesta-se de diferentes formas, variando entre quadros crônicos assintomáticos, caracterizados por exposições ósseas pequenas e estáveis, até quadros agudos, com exposições ósseas extensas, progressivas, sintomáticas, que não apresentam tendência à resolução espontânea e podem estar acompanhadas de outros sinais e sintomas, como: trismo, odor fétido, fístulas cutâneas, fratura patológica, seqüestros ósseos, alterações na alimentação e na fala, e consequente queda na qualidade de vida do paciente.

Radiograficamente, lesões de ORN podem-se apresentar como uma imagem radiolúcida destrutiva e irregular, associada ou não a radiopacidades indicativas de sequestros ósseos. No entanto, as evidências radiográficas normalmente não expressam o grau de envolvimento clínico da lesão.

O diagnóstico final é baseado na história médica pregressa, associada aos aspectos clínicos e radiográficos, podendo ser realizado um exame histopatológico para os casos em que o diagnóstico diferencial seja a recorrência tumoral ou metástase.

Não existe um protocolo universal para tratamento da ORN, sendo cada caso avaliado individualmente. Muitas abordagens têm sido descritas na literatura, desde manejos não-cirúrgicos até amplas ressecções. O tratamento conservador é realizado com irrigações, decortificações e sequestrectomias, estando indicado para pequenas exposições crônicas, que podem apresentar cicatrização após o manejo. Já as ressecções, associadas ou não a retalhos para reconstrução, estão reservadas para casos de grandes exposições, agudos e refratários.

Com isso, pode-se observar que a ORN trata-se de uma condição de manejo complexo e desagradável, sendo que uma maior interação entre os profissionais envolvidos no tratamento para o câncer de cabeça e pescoço pode contribuir para a redução das complicações associadas à radioterapia, melhorando, significativamente, a qualidade de vida dos pacientes. Nesses casos, a prevenção é primordial, sendo a avaliação odontológica prévia ao início da Rxt importantíssima para a diminuição do risco de ORN.